quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Resenha do disco “Saturno Casa 4”, de Siso

A influência da astrologia no cotidiano vem se tornando uma constante nas rodas de conversa Brasil afora, e não é de se admirar que ela inspire artistas a produzirem obras que se alinhem ao zodíaco e a seus respectivos signos, ascendentes, e posicionamentos solares, lunares e planetários. David Dines, mais conhecido pela alcunha de Siso, mostra o impacto do mapa astral na condução de seu trabalho artístico da forma mais franca possível: logo no título do seu álbum de estreia, “Saturno Casa 4”, ele se refere à posição do sexto planeta do Sistema Solar, em relação à distância do Sol, nos quadrantes do zodíaco, a qual é, na astrologia, a casa dos problemas familiares na primeira infância e das inseguranças ao longo do crescimento do indivíduo.

Teaser do vindouro videoclipe de "Saudade", segundo single de "Saturno Casa 4"

Tal condição astrológica se reflete diretamente nas letras de Siso, que põe em versos suas agruras e seus temores de maneira crua e despudorada, externando aquilo que lhe fora negado durante toda a vida, presenteando, assim, os seus ouvintes com canções de franqueza inegável e de ritmos tanto variados quanto contagiantes. Depois do EP “Terceiro Molar”, onde apresentou um universo rompante com a heteronormatividade, Siso traz em “Saturno Casa 4” uma verdade incontestável sobre as dores da chegada da vida adulta, tal qual fez Alanis Morissette em “Jagged Little Pill”.

Apresentação ao vivo de "Homem", canção do primeiro EP de Siso, "Terceiro Molar"

O álbum se inicia com “Tentação”, já com os sintetizadores ousados e a voz melodiosa do artista, e descreve as dificuldades que a vida escolar lhe trouxe e das marcas deixadas pelo bullying. Em seguida “O Amor É 1 Arma de Destruição em Massa” traz uma letra antirromântica ou ultrarromântica, dependendo do ponto de vista do ouvinte, junto dos vocais rascantes e poderosos de Letrux, a nova faceta de Letícia Novaes (ex-Letuce), que canta alguns versos e recita trechos dos diários luxuriosos da escritora francesa Anaïs Nin.



Na sequência Siso apresenta “1 em 1 Milhão”, cuja letra fala dos julgamento alheio e de como ignorar a quem não se deve satisfação nenhuma. Logo após “Poucos Reais” retrata a realidade de muitos brasileiros: as contas que vão se empilhando na porta de casa e a falta de dinheiro para pagá-las dignamente.



Então “Saudade” vem e mostra que o pop é a pegada certeira de Siso, sua voz poderosa e seus sintetizadores potentes e pungentes. A seguir “Cada 1 Tem Seu Valor” traz uma letra forte sobre as dificuldades de ser adulto e dos trade-offs que temos de realizar a cada decisão a se tomar.



Em seguida o cantor se junta à Paula Cavalciuk, voz proeminente da nova geração da nova MPB pós-Tulipa Ruiz, para descobrir “Onde Termina A Calçada” e concluir, assim, que o caminho não tem fim. Vem, então, a letra mais franca e mais dura de todo o álbum: “Violado” conta sobre o abuso sexual sofrido pelo artista quando ele tinha quatro anos de idade por uma mulher bem mais velha, contratada para tomar conta daquela criança, e sobre o impacto psicológico de tal situação em sua vida sexual.



Logo após “198 Centímetros” traz uma das letras mais bem-humoradas do disco – de autoria de Letrux, a canção fala dos problemas que uma pessoa mais alta do que a maioria passa, já que “o mundo é dos baixos”, como Siso canta. Para finalizar o álbum com chave de ouro, “4 de Ouros” traz uma mensagem positiva sobre o futuro da vida adulta: é um árduo e tortuoso caminho, mas cada dor vale a pena no fim das contas, porque crescer faz parte do processo de se tornar amanhã um alguém melhor do que fomos ontem e do que somos hoje.



“Saturno Casa 4” é um trabalho de artesão, com letras sob medida e melodias pop de qualidade indefectível, que se completa com a eloquência vocal de Siso – este, disparado um dos melhores vocalistas do atual mercado fonográfico, e aquele, indubitavelmente um dos melhores discos nacionais de 2017. Siso agora está em turnê com show novo, e há muita expectativa para que seu som chegue arrebentando na capital federal – espera-se sua presença na cidade em 2018.

Videoclipe de "Eclipse", do EP "Terceiro Molar"

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